“Dirty Little Brother” é o segundo disco de Black Mamba

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The Black Mamba estão de volta aos discos com “Dirty Little Brother”, um poderoso disco de blues, funk e soul. Grande parte dos onze temas do álbum têm uma estrutura extremamente livre, muito próxima do que se espera num concerto ao vivo, sem amarras, e sem medo de longas passagens instrumentais. Uma demonstração de carácter forte, que desafia as “regras” actuais da indústria musical.

É impossível não imaginar cabelos compridos, salas com muito fumo, álcool e suor, quando se ouve este álbum, marcado pela sonoridade dos anos 60.

Pedro Tatanka, Ciro Cruz e Miguel Casais formam um ‘power trio’ altamente competente, com muita experiência acumulada, que consegue dominar com excelência o exercício da contenção e da explosão.

Em comparação com o álbum de estreia da banda, “Dirty Little Brother” parece ser menos polido, e mais sujo (no bom sentido do termo), trazendo consigo secções instrumentais psicadélicas, e solos de guitarra verdadeiramente incendiários, com timbres saturados, cheios de personalidade – trazendo à memória os eternos Jimi Hendrix e Steve Ray Vaughan –, e uma ou outra incursão ‘jazzística’ pelo teclado.

Não se pense, no entanto, que desaparecem os temas mais sentimentais. “Wonder Why”, com a participar de Aurea – e que foi o primeiro ‘single’ do disco – é um mergulho de cabeça na música soul.

É costume deixar as maiores surpresas para o fim. E foi isso que os Black Mamba fizeram. “Darkest Hour” é a prova de que o fado e o blues têm algum grau de parentesco. É impressionante ver como a alternância entre a voz de Tatanka e de António Zambujo – e, consequentemente, entre a língua inglesa e a portuguesa – sobre exactamente o mesmo instrumental, nos transporta para locais distintos.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

Das ruas de Lisboa para os grandes palcos europeus

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Alguém mais distraído podia pensar tratar-se de um novo disco de Mumford & Sons. Mas não. “Cornerstone” é o disco de estreia de Brass Wires Orchestra. São portugueses, têm apenas dois anos de existência, mas já deram cartas no estrangeiro.

Aliás, o primeiro grande feito da banda foi ficar em segundo lugar no concurso internacional Hard Rock Rising. A consequência foi pisar o palco do famoso Hard Rock Calling, que se realiza no Hide Park, em Londres, e por onde passam os “monstros” da música. Só para termos uma noção, em 2012, no mesmo dia em que actuaram os Brass Wires Orchestra, actuou também Bruce Sprinsteen.

Mas para conhecer o verdadeiro início da banda, é preciso recuar alguns meses, até Setembro de 2011, quando, por iniciativa do vocalista, Miguel da Bernarda, a banda se juntou pela primeira vez. O passo seguinte foi tocar ‘covers’ nas ruas de Lisboa, “para arranjar dinheiro para comprar algum instrumento, ou apenas pelo gozo”, como explicam no seu site.

Destas ‘covers’ faziam parte algumas das bandas que os Brass Wires Orchestra assumem – de forma clara – serem ainda hoje as suas influências musicais: Mumford & Sons, Beirut, Typhoon, Fleet Foxes, Matthew and the Atlas, ou Laura Marling.

Mas não se pense que esta ascensão vertiginosa – que encurtou o caminho entre o Largo de Camões, em Lisboa, e o Hyde Park, em Londres – fez a banda saltar etapas na edição do seu disco de estreia. “Cornerstone” viu a ‘luz do dia’ apenas este Verão.

O álbum foi gravado em Portugal, nos Black Sheep Studios, por Makoto Yagyu e Fábio Jevelim, ambos da banda portuguesa PAUS, mas a masterização foi feita em Londres, nos conhecidos estúdios Abbey Road, por Frank Arkwright, que trabalhou com os Arcade Fire no álbum “Neon Bible”.

Podendo, à partida, ser um pouco estranho, o nome da banda não podia, afinal, fazer mais sentido. É, de facto, a conjugação dos vários instrumentos de corda acústicos com os metais de sopro que mais caracteriza a sonoridade dos Brass Wires Orchestra.

“Cornerstone” tem momentos melancólicos e rasgos de alegria consciente e contida, apresentando uma grande consistência do início ao fim, em termos de qualidade. A harmonia, ora pelas vozes, ora pelos instrumentos de sopro, foi muito bem cuidada em todos os temas, e cria grande momentos musicais.

2015 reserva muitos Km de estrada

Não foi só no estrangeiro que os Brass Wires Orchestra deram provas do seu talento. Em Portugal já inscreveram o seu nome no cartaz de um grande festival, como o Optimus Alive. E isto aconteceu em 2013, quando ainda não havia disco nas lojas. 2015 promete, por isso, ser um ano com muitos quilómetros de estrada à espera dos Brass Wires Orchestra. Diz quem já os viu ao vivo, que dão um grande espectáculo. Eu acredito, e não me importava nada de os ver por cá, a povoar um dos nossos palcos com os seus inúmeros músicos.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

Myrica Faya dão nova vida à música tradicional açoriana em “Vir’ó Balho”

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À partida, um disco de música tradicional açoriana editado em 2014, seria apenas mais um disco com música tradicional açoriana. No entanto, “Vir´ó Balho”, dos terceirenses Myrica Faya, é muito mais do que isso: é uma reinterpretação do cancioneiro regional dos Açores aos olhos de uma geração que, conhecendo e honrando as suas raízes, tem o mundo à sua disposição, e consegue fazer uso deste conhecimento para transportar temas tão nossos como “Os Olhos Pretos” ou “San Macaiao” para uma dimensão diferente, próxima daquilo que pode ser denominado como “world music”. Adjetivação que, neste caso, pode ser justificada pela mistura de instrumentos e sonoridades de diferentes continentes: ao lado da viola da terra – o instrumento mais típico dos Açores – surgem, não só outros instrumentos a que a música tradicional não é estranha, como a guitarra acústica, o acordeão, o cavaquinho e a flauta, mas também instrumentos exteriores a este universo, como o piano, a guitarra elétrica, o trombone, o trompete, e outros metais, assim como instrumentos de percussão como o pote, o “cájon” e a bateria.
Mas mesmo os temas que recorrem apenas a instrumentos típicos da música tradicional demonstram uma ousadia nos arranjos, na procura de acordes mais complexos, variações na melodia da voz  e solos instrumentais que consegue surpreender, sem deixar de fazer todo o sentido.
Com experiência acumulada em outros projetos, sendo as tunas académicas o denominador comum, os Myrica Faya tiveram a coragem de pegar em pedaços da identidade dos Açores e dar-lhe uma nova vida que, nas palavras dos próprios,  é “resultado de um longo processo de pesquisa, desconstrução, amadurecimento e recriação”.
A excelência das vozes é outra surpresa do disco. Se por vezes é difícil encontrar um bom vocalista, imaginem três: Pedro, Ricardo e Bruno assumem as vozes principais. Mas a “bagagem” de quilómetros de estrada com outros projetos musicais permite  que todos os elementos contribuam para os coros.
O trabalho de estúdio, a cargo de João Mendes também merece destaque positivo neste trabalho. Em São Miguel, o disco encontra-se à venda apenas na loja Maviripa.
O Meia de Rock conversou com Cláudio Oliveira sobre os projetos da banda:
Qual o vosso passado musical, e como é que surge este projeto?
Todos nós temos ligações à música com diferentes origens. Desde a música clássica ao rock, passando pelo folclore, bailinhos de Carnaval e as tunas universitárias. Aliás, foi por termos uma ligação ao mundo das tunas que nos conhecemos e que surgiram os Myrica Faya. Um arranjo inicial de um tema tradicional dos Açores aliciou-nos para que resolvêssemos explorar outros temas. Daí a nos termos deparado com um manancial quase inesgotável de riqueza lírica e melódica foi um ápice. O entusiasmo em torno dessa fonte, a nossa música tradicional, e das experiências que com ela fazíamos foi crescendo e com ele surgiu a formação deste grupo.
Faz parte dos vossos planos compor temas que possam um dia vir a integrar o cancioneiro regional?
Enquanto membros dos Myrica Faya, não faz parte dos nossos planos compor temas originais. Para já, a ideia é continuarmos a explorar o rico património da música tradicional açoriana e ver até onde ele nos leva. Não pensamos sequer que um dia possamos ter o virtuosismo de compor um tema emblemático e que faça parte do cancioneiro regional. Quando tal acontece, deve-se à memória coletiva das pessoas que adotam o tema como sendo seu, independentemente da maior ou menor qualidade de quem o compôs. Por outras palavras, quando se compõe algo, mesmo que seja um arranjo sobre algo existente, como é o nosso caso, não se tem esta pretensão inicial. Esta decisão está na sensibilidade de quem ouve.
Desde o lançamento do disco, têm tido muitos concertos. Por onde é que têm andado e que concertos têm agendados para os próximos tempos?
Sim, felizmente o trabalho teve uma grande aceitação. Depois do concerto de apresentação no Auditório do Ramo Grande, estivemos nas Sanjoaninas, nas Festas da Praia, no Festival Maia Folk em Santa Maria, no Festival Folk Celta em Ponte da Barca, na Tertúlia Castelense na Maia e em algumas freguesias da ilha Terceira. Brevemente estaremos no Teatro da Luz, em Lisboa para tocar em direto no programa “Viva a Música” da Antena 1. Tocaremos ainda em Sintra na Taverna dos Trovadores e no bar “Adufe” em Lisboa. Estão ainda em agenda um concerto em Angra do Heroísmo e um na ilha de S. Miguel, para os quais ainda se estão a ultimar pormenores.
Tanto quanto sei, ainda não tocaram em São Miguel…
Ainda não tivemos o prazer de tocar em S. Miguel. No entanto, caso tudo se conjugue, estaremos brevemente na ilha do Arcanjo para apresentar o nosso disco “Vir’ó Balho”. Sabemos que o trabalho tem tido boa aceitação nesta ilha e este fator aumenta a vontade de aí nos apresentarmos. Em relação aos promotores de espetáculos, temos feito contactos. Muitos deles já começam a conhecer o nosso trabalho e é uma questão de perceberem se aquilo que fazemos vai ou não ao encontro do que pretendem para as suas organizações.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

“Cúpido” dos Expensive Soul finalmente em álbum

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Há muito que o “Cúpido” andava a cantar-nos ao ouvido, prometendo um disco de qualidade, mas só agora surgem os temas que o acompanham em “Sonhador”, o novo álbum dos Expensive Soul.

O “Cúpido” não mentiu: a banda voltou, quatro anos depois do último disco, como uma sonoridade renovada, mais orgânica, mais completa e mais interessante. “Sonhador” segue a pista musical deixada pelo hit “O Amor é Mágico”.

Se o álbum de 2010 – “Utopia” – era mais próximo do hip-hop e da pop, este novo trabalho bem podia ter sido gravado nos anos sessenta pela “Motown Records”, que impulsionou e celebrizou o soul e o funk.

Aliás, esta evolução parece-me estar bem visível na página da banda no Facebook, em que os músicos apontam Kanye West, Bilal, Common e d’Angelo como artistas de que gostam, mas na informação sobre “influências” – possivelmente preenchida mais recentemente – são mencionados nomes ‘old school’ de peso como Marvin Gaye, Ray Charles, James Brown e Bob Marley.

A longa espera entre o lançamento do primeiro single e o lançamento do álbum acaba por ser a imagem do percuso da banda portuense: lento, mas com passos firmes. Afinal – embora possa não parecer – New Max e Demo (nomes artísticos dos mentores dos Expensive Soul) deram os primeiros passos ainda antes do último virar de milénio.

“Sonhador” tem um som fresco e leve, propício aos dias quentes de Verão, mas nem por isso é menos maduro e complexo, principalmente no que diz respeito à componente instrumental. Ainda esta semana, sentado no sofá do “5 para a Meia-Noite”, New Max dizia, com visível orgulho, que, pela primeira vez, todos os instrumentos tinham sido gravados sem recurso a único ‘sample’. Esse carácter orgânico e real, sobressai no disco.

Certamente mais preocupados com a qualidade artística dos seus espectáculos – e ainda bem que assim é – do que com o lucro imediato dos concertos, os Expensive Soul não se coíbem de levar toda a energia do disco para cima do palco, contando com a presença de 11 músicos, além dos dois líderes do projecto. Ter guitarra, baixo, bateria, percussão, teclas, secção de metais com três sopros, e o acompanhamento por um coro de três elementos é uma proeza que poucos artistas portugueses conseguem (ou querem) realizar.

Não posso deixar de destacar o tema “Electrificado”, com uma longa e deliciosa secção instrumental que põe qualquer pessoa, no mínimo, a bater pé.

Arranque com edição independente

Ao contrário do que é habitual, a estreia discográfica dos Expensive Soul não passou por uma editora. Os jovens New Max e Demo arriscaram a dar este primeiro passo sem rede de segurança e sem esperar que alguém o decidisse num escritório distante e desconhecido. Aposta ganha: “B.I.” (2004) acabou por figurar na lista dos melhores 3 álbuns do ano pela “Blitz” e pela “Antena 3”. Depois vieram “Alma Cara” (2006), “Utopia” (2010) e “Symphonic Experience” (2012) gravado ao vivo com acompanhamento de orquestra e coro, dirigido pelo maestro Rui Massena.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

A inacreditável história de Sixto Rodriguez

Imagine que, no auge da sua criatividade,  grava dois álbuns de excelente qualidade musical, que, no entanto, acabam por se revelar autênticos ‘flops’ comerciais. Até aqui, nada de especial: a indústria musical está repleta de casos idênticos.

E se, por causa deste falhanço comercial, fosse despedido da sua editora e passasse o resto da vida a trabalhar em construção civil, para, quarenta anos depois, descobrir que o seu trabalho era venerado num país distante, noutro continente, e que muitos milhares de álbuns tivessem sido vendidos sem que tivesse visto sequer uma migalha de todo o dinheiro gerado. Perante este cenário, se lhe perguntassem como se sentia por saber que a sua vida podia ser muito melhor, qual seria a sua resposta?

A de Sixto Rodriguez foi tão inacreditável, mas tão verdadeira quanto a sua história: “Não sei se seria uma vida melhor”.

“Searching for Sugar Man” é um documentário – premiado com um óscar – que conta a história deste músico norte-americano que, sem saber, se tornou uma figura mítica na África do Sul, graças a uma cassete pirata que se “multiplicou”.

É claro que este pode ser só mais um dos inúmeros mitos que envolvem Rodriguez, que muitos julgavam estar morto, existindo mesmo relatos de ter cometido suicídio em palco, com um tiro na cabeça ou incendiando-se.

“Searching for Sugar Man” é a história de dois homens que decidiram investigar mais a fundo o que teria, de facto, acontecido a este músico, e acabaram por ter a resposta mais inesperada: Rodriguez está vivo e não sabe que é uma estrela.

Sixto Rodriguez é um músico extraordinário. Mas, acima de tudo, é um ser humano fantástico, e a sua história merece ser contada. Um filme altamente recomendado.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

Prana cantam “O Amor e Outros Azares”

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Há dias atrás, vasculhando o Spotify à procura de uma determinada banda portuguesa – cujo o nome continuo a não conseguir lembrar-me – o termo de pesquisa “naco” leva-me a “O Amor e Outros Azares”, disco de 2014 dos Prana. É caso para dizer que há ‘azares’ que vêm por bem.

Curioso, provo o “Naco” que me caiu no prato. Se os primeiros segundos não fossem já suficientes para me agarrar de imediato, os dois primeiros versos fariam o resto: “Não estou a pedir que te dispas, mas era bom que o teu vestido enfeitasse o chão”.

Com expectativas elevadas, deixo o “Naco” e entro pela “Porta”, tema que abre o disco. Surge outra peça de vestuário, mas mantém-se o nível de criatividade lírica: “A minha dignidade está de calças na mão”. É tão bom ouvir canções inteligentes, com humor e ironia em doses recomendadas, sem que deixem de ser emotivas.

“Da miscelânea de gostos e influências que tinham, foram moldando e esculpindo o som até se encontrarem”, lê-se na página de Facebook dos Prana. “O Amor e Outros Azares” mostra isso mesmo: influências muito distintas, mas todas de bom gosto, diga-se. A mais óbvia é Ornatos Violeta, banda que desbravou um caminho seguido por muitos. Não será, por isso, de estranhar a participação ao vivo, como convidado, de Elísio Donas, teclas dos Ornatos.

Entre o lançamento do primeiro EP “1”, em 2008, e este “O Amor e Outros Azares”, passando pelo álbum “Trapo Trapézio” (2011), os Prana deram passos de gigante na sua evolução e são já uma certeza da música nacional.

É inacreditável que uma banda com esta qualidade tenha apenas três datas confirmadas até Outubro…

Só não estarão nos melhores palcos em breve se muita gente estiver distraída. Demasiado distraída.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

Ben Harper canta ao lado da sua mãe em novo disco

© Danny Clinch

© Danny Clinch

Que melhor homenagem pode um músico fazer à sua mãe? Talvez gravar um disco inteiro com ela. E se o lançamento desse disco acontecer no dia da mãe ainda melhor. Foi isso mesmo que fez Ben Harper.

“Childhood Home” é um ternurento disco de canções folk sobre família, amor e memórias de outros tempos. Dez temas simples e doces, cantados quase sempre em harmonia, a duas vozes, e com uma evidente cumplicidade.

Em pouco mais de meia hora, mãe e filho partilham histórias sobre o percurso da vida. Ben assina seis temas, e a mãe os restantes quatro.

Quanto ao som, Ben Harper afirma – sem esconder o orgulho – que “foi tudo gravado como o Elvis fazia no início. Nenhum instrumento foi amplificado. É tudo acústico”.

Afinal, quem é Ellen Harper? Certamente mais conhecida por ser “a mãe de Ben Harper”, Ellen não é propriamente uma novata na música. Trabalhou no Folk Music Center and Museum, loja aberta pelos seus pais e de que ainda hoje é proprietária, e onde aprendeu a dominar vários instrumentos.

Foi neste ambiente que o jovem Ben cresceu: rodeado de instrumentos e artistas. A loja dos avós era o destino diário depois da escola, já que Ellen era mãe solteira.

Um dos músicos que frequentava o Folk Music Center and Museum era o guitarrista Ry Cooder, que acaba por ter uma clara influência na carreira de Ben Harper. Basta ouvir os dois a tocar slide guitar para perceber o que quero dizer.

No seu site, Ben Harper assume que fazer um disco com a mãe era algo em que falavam há muito tempo, e diz mesmo: “Acho que sempre o quisemos fazer”.

Se, à partida, pode parecer que Ben Harper fez gesto simpático à mãe ao gravar consigo um disco, depois de conhecer o seu percurso familiar e musical, não posso deixar de pensar que foi muito mais do que isso. Acredito que Ben Harper sabe que deve tudo à sua mãe, que, não só tomou conta dele sem ter um pai por perto, mas ainda lhe abriu as portas para o mundo artístico.

Curiosamente, “Childhood Home” surge um ano depois de outro álbum em que Ben Harper fez um exercício de regressão no tempo. Ainda o ano passado, o músico juntou-se a uma lenda da harmónica, o virtuoso Charlie Musselwhite, para gravar “Get Up”, um disco que regressa às raízes do blues.

Vinte anos a cantar um mundo cruel

Em 1994, Ben Harper lançava o seu disco de estreia – “Welcome to the Cruel World”. Vinte anos depois, num vídeo que assinala a efeméride, Ben Harper assume, de forma emocionada, que esse disco é a razão de tantas coisas na sua vida. Não sei quando comprei o disco, mas sei que foi a partir de uma versão ao vivo da música “Please Bleed” – que nem vem neste disco – que me hipnotizou. Desde então, é um álbum a que regresso com frequência.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

“Gente da Terra e do Mar” é o primeiro de uma série de temas a lançar pelos FAT of the LAND

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O Meia de Rock esteve à conversa com o vocalista e guitarrista dos FAT of the LAND, a banda que acaba de lançar na internet o primeiro de uma série de temas que estão a ser gravados

Sem ilusões deslumbradas sobre o futuro, nem grandes objectivos traçados a longo prazo, os FAT of the LAND demonstram maturidade e sabem bem o que querem: Dêem-lhes palcos e eles ficam felizes.

Quem são os “FAT of the LAND”?
Os FAT of the LAND são um grupo de amigos que se juntou pela vontade de criar os seus próprios temas. Na viola baixo temos o Bruno Carvalho, na guitarra o Hélder Cidade, na bateria o Mário Cabral, e eu sou vocalista e guitarrista. O nosso técnico de som é o Emanuel Cordeiro. Cada um de nós, diferentes entre si, dá o seu cunho pessoal ao nosso som. É difícil dizer quem somos.

É inevitável perguntar se o nome da banda tem alguma relação com o célebre álbum dos Prodigy de 1997.
O nome surge durante os primeiros ensaios, por sugestão do nosso primeiro baterista, Luís Gonçalves – que entretanto teve de abandonar o projecto. Depois de vários nomes serem descartados, FAT of the LAND soava-nos bem, e foi a escolha. O nome tem como fundamento a expressão muito utilizada no século XVI, “viver da gordura da Terra”. Viver dos recursos que estão à disposição e saber valorizá-los. É esta a causa do nome. Não há qualquer relação com o álbum dos Prodigy.

Em termos de sonoridade, quais são as vossas maiores referências?
Não sentimos que haja influência de uma banda específica no resultado final da nossa sonoridade. Certamente que há um conjunto de bandas, dos mais variados estilos, que todos nós ouvimos, e isso pode ter reflexo no resultado final do nosso trabalho. Podemos citar Placebo, Xutos e Pontapés, Coldplay, Pixies, Silence 4, Rui Veloso. No entanto, ouvimos todos coisas muito diferentes, como metal, funk, ska, hard rock.

Têm letras em português e em inglês. Pretendem continuar este caminho paralelo ou há alguma opção a tomar no que diz respeito à língua em que se exprimem?
Sim, temos alguns temas em inglês. Isto porque, quando iniciámos esta aventura, começámos do “zero”, e saber realmente o que se pretendia da banda levou o seu tempo. À medida que fomos ganhando consistência interna e conhecendo a nossa identidade, percebemos que o nosso caminho teria de ser trilhado na nossa língua. É nela que nos sentimos melhor, e sendo assim, não sentimos que tenhamos que continuar a fazer temas em inglês. De qualquer forma os que já temos em inglês irão manter-se connosco enquanto não nos fartarmos deles.

Acabam de lançar uma música na internet – “Gente da Terra e do Mar” – e sei que já estão a preparar outros temas. O que é que podemos esperar dos “FAT of the LAND” no futuro próximo?
“Gente da Terra e do Mar”, que lançámos nas plataformas digitais – Youtube e Facebook – teve uma boa aceitação por parte das pessoas. É sempre bom saber que o que fazes tem qualidade. Neste tema usamos a grande viola da terra, de uma forma muito nossa. Foi a nossa forma de dizer “somos dos Açores”. Pode ser que para este tema surja algo mais. Refiro-me a um videoclip. É algo em que estamos a pensar, em colaboração com outras entidades. Mas este é apenas um tema de muitos que já criámos, e por isso estamos a trabalhar continuamente na gravação de outros temas. É certo que gostaríamos de os poder apresentar com maior frequência, mas dadas a circunstâncias profissionais de cada um, os meios técnicos – que nem sempre estão acessíveis como desejaríamos -, faz com que as coisas sejam mais lentas. Mas, muito em breve, teremos mais alguns temas para mostrar. Estão em fase avançada de gravação. Podem esperar, da nossa parte, muita dedicação e amor a este projecto.

Quanto a actuações ao vivo, por onde é que têm andando? Há datas confirmadas para os próximos tempos?
No palco é que é! É onde gostamos de estar. Fomos bem acolhidos por alguns bares da Ribeira Grande. Já passámos várias vezes pelos bares “Paloê” e “Tu Ká Tu Lá”. Para além destes sítios, já actuámos nas festas da cidade da Ribeira Grande, nas Noites de Verão em Ponta Delgada, entre outros locais desta cidade, como as Portas do Mar ou o Ateneu Criativo. Em relação a futuros concertos, infelizmente, as coisas ainda não começaram. Já fomos contactados para alguns concertos, mas ainda não temos confirmações.
O vosso projecto é relativamente recente. Até onde pretendem levar os “FAT of the LAND”?
Quando começámos este projecto, não sabíamos o que iria acontecer: se iam surgir concertos, se as pessoas iam gostar… Passados dois anos, penso que estamos mais fortes como grupo, pelo incentivo e críticas que nos foram chegando de pessoas mais ligadas à banda. Acima de tudo, pretendemos obter prazer e boas energias com a banda. Enquanto tivermo isso, não vamos parar! Um dos nossos vícios é estar sempre a compor novos temas, porque assim temos sempre coisas novas que nos despertam os sentidos. Como qualquer banda de originais que se preze, gostaríamos muito de um dia ter um trabalho editado. É algo com que podemos pelo menos sonhar.

Quais são os vossos objectivos em termos de realização artística?
A palavra objectivos não é a mais adequada à forma como nos pretendemos relizar de forma artística. Porque ter objectivos obriga a que haja pressão, e nós não queremos pressão. Queremos, sim, obter e dar boas sensações a quem nos ouve. A realização de um musico é estar no palco. É isto que nos realiza. Dêem-nos palcos!

Mais informações sobre a banda

Ouça aqui o tema “Gente da Terra e do Mar”

Contactos: 916 645 896 (Luís Xavier) | fatofthelandrock@gmail.com

Facebook FAT of the LAND

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental

Miguel Araújo é o verdadeiro contador de histórias

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O nome do disco não engana: “Crónicas da Cidade Grande”. Ao segundo disco, que é, de certa forma, conceptual, Miguel Araújo dá-nos a conhecer “meia dúzia” de personagens e as suas experiências. Histórias simples, comoventes ou humoradas, sobre pessoas normais, nas quais é muito fácil revermo-nos.

“José”, segundo tema disco, transportou-me de imediato a casa dos meus avós, onde passei os melhores momentos da minha infância, ao tempo em que tínhamos a capacidade de transformar um pequeno quintal num mundo de aventuras infinitas. O mesmo pedaço de terra podia ser, de manhã, um rio, e à tarde uma floresta.

Miguel Araújo tem essa capacidade extraordinária de nos absorver com as suas letras – simples, informais e descontraídas – e consegue elevar as coisas normais do dia-a-dia a autêntica poesia. Afinal, não é qualquer artista que consegue incluir a palavra “dejecto” numa letra, sem perder o nível.

Esta é, aliás, uma capacidade que Miguel Araújo tinha já demonstrado no espectáculo “Como Desenhar Mulheres, Motas e Cavalos”, com Nuno Markl.

“Crónicas da Cidade Grande” reúne treze canções – essencialmente baladas – sobre encontros e desencontros, amor e casamento, infância e adolescência, destino e morte, na vida do José dos Santos, da Laurinha, do Salomão, e de tantas outras personagens sem nome.

“Contamina-me” é a explosão que contrasta com a contenção de quase todos os temas. Uma música para bater o pé do início ao fim, com um estilo próximo de alguns temas do mais recente disco dos Azeitonas, banda em que Miguel Araújo é guitarrista.

É verdade que este disco não tem nenhum ‘hit’ instantâneo com a genialidade desconcertante de “Os maridos das outras”, que deu a conhecer Miguel Araújo, mas mostra um artista muito completo, que está à vontade com a composição e interpretação, e que não sabe fazer uma má melodia. Parece tudo tão fácil.

Miguel Araújo é, para mim, o cantautor mais interessante da nova geração de músicos portugueses. Vejo-o como uma espécie de Rui Veloso. Aliás, os dois conhecem-se bem: Rui Veloso foi o responsável pelo lançamento dos Azeitonas, há mais de uma década atrás, e pretende mesmo contar com a colaboração de Miguel Araújo num futuro disco.

O disco, que conta com a colaboração de Inês Viterbo, António Zambujo e Marcelo Camelo, entrou directamente para o segundo lugar da tabela de vendas em Portugal. E deve continuar por lá por algum tempo.

Outra forma de de ouvir os mesmo temas

Para assinalar o lançamento de “Crónicas da Cidade Grande”, Miguel Araújo fez um pequeno “showcase” no Auditório Luiz de Vasconcellos, da Impresa, para uma plateia presencial reduzida, mas também com transmissão na internet.

Sozinho no palco, apenas com a guitarra eléctrica, descontraído, bem disposto e informal, Miguel Araújo apresentou algumas músicas do novo disco totalmente despidas de orquestrações.

Se ainda houvesse dúvidas, esse concerto (que pode ser visto na internet) mostra duas coisas: que Miguel Araújo é genuinamente talentoso e que as boas canções funcionam mesmo no seu estado mais elementar.

Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental