Sob vigia
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“Dirty Little Brother” é o segundo disco de Black Mamba
The Black Mamba estão de volta aos discos com “Dirty Little Brother”, um poderoso disco de blues, funk e soul. Grande parte dos onze temas do álbum têm uma estrutura extremamente livre, muito próxima do que se espera num concerto ao vivo, sem amarras, e sem medo de longas passagens instrumentais. Uma demonstração de carácter forte, que desafia as “regras” actuais da indústria musical.
É impossível não imaginar cabelos compridos, salas com muito fumo, álcool e suor, quando se ouve este álbum, marcado pela sonoridade dos anos 60.
Pedro Tatanka, Ciro Cruz e Miguel Casais formam um ‘power trio’ altamente competente, com muita experiência acumulada, que consegue dominar com excelência o exercício da contenção e da explosão.
Em comparação com o álbum de estreia da banda, “Dirty Little Brother” parece ser menos polido, e mais sujo (no bom sentido do termo), trazendo consigo secções instrumentais psicadélicas, e solos de guitarra verdadeiramente incendiários, com timbres saturados, cheios de personalidade – trazendo à memória os eternos Jimi Hendrix e Steve Ray Vaughan –, e uma ou outra incursão ‘jazzística’ pelo teclado.
Não se pense, no entanto, que desaparecem os temas mais sentimentais. “Wonder Why”, com a participar de Aurea – e que foi o primeiro ‘single’ do disco – é um mergulho de cabeça na música soul.
É costume deixar as maiores surpresas para o fim. E foi isso que os Black Mamba fizeram. “Darkest Hour” é a prova de que o fado e o blues têm algum grau de parentesco. É impressionante ver como a alternância entre a voz de Tatanka e de António Zambujo – e, consequentemente, entre a língua inglesa e a portuguesa – sobre exactamente o mesmo instrumental, nos transporta para locais distintos.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental
Das ruas de Lisboa para os grandes palcos europeus
Alguém mais distraído podia pensar tratar-se de um novo disco de Mumford & Sons. Mas não. “Cornerstone” é o disco de estreia de Brass Wires Orchestra. São portugueses, têm apenas dois anos de existência, mas já deram cartas no estrangeiro.
Aliás, o primeiro grande feito da banda foi ficar em segundo lugar no concurso internacional Hard Rock Rising. A consequência foi pisar o palco do famoso Hard Rock Calling, que se realiza no Hide Park, em Londres, e por onde passam os “monstros” da música. Só para termos uma noção, em 2012, no mesmo dia em que actuaram os Brass Wires Orchestra, actuou também Bruce Sprinsteen.
Mas para conhecer o verdadeiro início da banda, é preciso recuar alguns meses, até Setembro de 2011, quando, por iniciativa do vocalista, Miguel da Bernarda, a banda se juntou pela primeira vez. O passo seguinte foi tocar ‘covers’ nas ruas de Lisboa, “para arranjar dinheiro para comprar algum instrumento, ou apenas pelo gozo”, como explicam no seu site.
Destas ‘covers’ faziam parte algumas das bandas que os Brass Wires Orchestra assumem – de forma clara – serem ainda hoje as suas influências musicais: Mumford & Sons, Beirut, Typhoon, Fleet Foxes, Matthew and the Atlas, ou Laura Marling.
Mas não se pense que esta ascensão vertiginosa – que encurtou o caminho entre o Largo de Camões, em Lisboa, e o Hyde Park, em Londres – fez a banda saltar etapas na edição do seu disco de estreia. “Cornerstone” viu a ‘luz do dia’ apenas este Verão.
O álbum foi gravado em Portugal, nos Black Sheep Studios, por Makoto Yagyu e Fábio Jevelim, ambos da banda portuguesa PAUS, mas a masterização foi feita em Londres, nos conhecidos estúdios Abbey Road, por Frank Arkwright, que trabalhou com os Arcade Fire no álbum “Neon Bible”.
Podendo, à partida, ser um pouco estranho, o nome da banda não podia, afinal, fazer mais sentido. É, de facto, a conjugação dos vários instrumentos de corda acústicos com os metais de sopro que mais caracteriza a sonoridade dos Brass Wires Orchestra.
“Cornerstone” tem momentos melancólicos e rasgos de alegria consciente e contida, apresentando uma grande consistência do início ao fim, em termos de qualidade. A harmonia, ora pelas vozes, ora pelos instrumentos de sopro, foi muito bem cuidada em todos os temas, e cria grande momentos musicais.
2015 reserva muitos Km de estrada
Não foi só no estrangeiro que os Brass Wires Orchestra deram provas do seu talento. Em Portugal já inscreveram o seu nome no cartaz de um grande festival, como o Optimus Alive. E isto aconteceu em 2013, quando ainda não havia disco nas lojas. 2015 promete, por isso, ser um ano com muitos quilómetros de estrada à espera dos Brass Wires Orchestra. Diz quem já os viu ao vivo, que dão um grande espectáculo. Eu acredito, e não me importava nada de os ver por cá, a povoar um dos nossos palcos com os seus inúmeros músicos.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental
Myrica Faya dão nova vida à música tradicional açoriana em “Vir’ó Balho”
“Cúpido” dos Expensive Soul finalmente em álbum
Há muito que o “Cúpido” andava a cantar-nos ao ouvido, prometendo um disco de qualidade, mas só agora surgem os temas que o acompanham em “Sonhador”, o novo álbum dos Expensive Soul.
O “Cúpido” não mentiu: a banda voltou, quatro anos depois do último disco, como uma sonoridade renovada, mais orgânica, mais completa e mais interessante. “Sonhador” segue a pista musical deixada pelo hit “O Amor é Mágico”.
Se o álbum de 2010 – “Utopia” – era mais próximo do hip-hop e da pop, este novo trabalho bem podia ter sido gravado nos anos sessenta pela “Motown Records”, que impulsionou e celebrizou o soul e o funk.
Aliás, esta evolução parece-me estar bem visível na página da banda no Facebook, em que os músicos apontam Kanye West, Bilal, Common e d’Angelo como artistas de que gostam, mas na informação sobre “influências” – possivelmente preenchida mais recentemente – são mencionados nomes ‘old school’ de peso como Marvin Gaye, Ray Charles, James Brown e Bob Marley.
A longa espera entre o lançamento do primeiro single e o lançamento do álbum acaba por ser a imagem do percuso da banda portuense: lento, mas com passos firmes. Afinal – embora possa não parecer – New Max e Demo (nomes artísticos dos mentores dos Expensive Soul) deram os primeiros passos ainda antes do último virar de milénio.
“Sonhador” tem um som fresco e leve, propício aos dias quentes de Verão, mas nem por isso é menos maduro e complexo, principalmente no que diz respeito à componente instrumental. Ainda esta semana, sentado no sofá do “5 para a Meia-Noite”, New Max dizia, com visível orgulho, que, pela primeira vez, todos os instrumentos tinham sido gravados sem recurso a único ‘sample’. Esse carácter orgânico e real, sobressai no disco.
Certamente mais preocupados com a qualidade artística dos seus espectáculos – e ainda bem que assim é – do que com o lucro imediato dos concertos, os Expensive Soul não se coíbem de levar toda a energia do disco para cima do palco, contando com a presença de 11 músicos, além dos dois líderes do projecto. Ter guitarra, baixo, bateria, percussão, teclas, secção de metais com três sopros, e o acompanhamento por um coro de três elementos é uma proeza que poucos artistas portugueses conseguem (ou querem) realizar.
Não posso deixar de destacar o tema “Electrificado”, com uma longa e deliciosa secção instrumental que põe qualquer pessoa, no mínimo, a bater pé.
Arranque com edição independente
Ao contrário do que é habitual, a estreia discográfica dos Expensive Soul não passou por uma editora. Os jovens New Max e Demo arriscaram a dar este primeiro passo sem rede de segurança e sem esperar que alguém o decidisse num escritório distante e desconhecido. Aposta ganha: “B.I.” (2004) acabou por figurar na lista dos melhores 3 álbuns do ano pela “Blitz” e pela “Antena 3”. Depois vieram “Alma Cara” (2006), “Utopia” (2010) e “Symphonic Experience” (2012) gravado ao vivo com acompanhamento de orquestra e coro, dirigido pelo maestro Rui Massena.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental
A inacreditável história de Sixto Rodriguez
Imagine que, no auge da sua criatividade, grava dois álbuns de excelente qualidade musical, que, no entanto, acabam por se revelar autênticos ‘flops’ comerciais. Até aqui, nada de especial: a indústria musical está repleta de casos idênticos.
E se, por causa deste falhanço comercial, fosse despedido da sua editora e passasse o resto da vida a trabalhar em construção civil, para, quarenta anos depois, descobrir que o seu trabalho era venerado num país distante, noutro continente, e que muitos milhares de álbuns tivessem sido vendidos sem que tivesse visto sequer uma migalha de todo o dinheiro gerado. Perante este cenário, se lhe perguntassem como se sentia por saber que a sua vida podia ser muito melhor, qual seria a sua resposta?
A de Sixto Rodriguez foi tão inacreditável, mas tão verdadeira quanto a sua história: “Não sei se seria uma vida melhor”.
“Searching for Sugar Man” é um documentário – premiado com um óscar – que conta a história deste músico norte-americano que, sem saber, se tornou uma figura mítica na África do Sul, graças a uma cassete pirata que se “multiplicou”.
É claro que este pode ser só mais um dos inúmeros mitos que envolvem Rodriguez, que muitos julgavam estar morto, existindo mesmo relatos de ter cometido suicídio em palco, com um tiro na cabeça ou incendiando-se.
“Searching for Sugar Man” é a história de dois homens que decidiram investigar mais a fundo o que teria, de facto, acontecido a este músico, e acabaram por ter a resposta mais inesperada: Rodriguez está vivo e não sabe que é uma estrela.
Sixto Rodriguez é um músico extraordinário. Mas, acima de tudo, é um ser humano fantástico, e a sua história merece ser contada. Um filme altamente recomendado.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental
Prana cantam “O Amor e Outros Azares”
Há dias atrás, vasculhando o Spotify à procura de uma determinada banda portuguesa – cujo o nome continuo a não conseguir lembrar-me – o termo de pesquisa “naco” leva-me a “O Amor e Outros Azares”, disco de 2014 dos Prana. É caso para dizer que há ‘azares’ que vêm por bem.
Curioso, provo o “Naco” que me caiu no prato. Se os primeiros segundos não fossem já suficientes para me agarrar de imediato, os dois primeiros versos fariam o resto: “Não estou a pedir que te dispas, mas era bom que o teu vestido enfeitasse o chão”.
Com expectativas elevadas, deixo o “Naco” e entro pela “Porta”, tema que abre o disco. Surge outra peça de vestuário, mas mantém-se o nível de criatividade lírica: “A minha dignidade está de calças na mão”. É tão bom ouvir canções inteligentes, com humor e ironia em doses recomendadas, sem que deixem de ser emotivas.
“Da miscelânea de gostos e influências que tinham, foram moldando e esculpindo o som até se encontrarem”, lê-se na página de Facebook dos Prana. “O Amor e Outros Azares” mostra isso mesmo: influências muito distintas, mas todas de bom gosto, diga-se. A mais óbvia é Ornatos Violeta, banda que desbravou um caminho seguido por muitos. Não será, por isso, de estranhar a participação ao vivo, como convidado, de Elísio Donas, teclas dos Ornatos.
Entre o lançamento do primeiro EP “1”, em 2008, e este “O Amor e Outros Azares”, passando pelo álbum “Trapo Trapézio” (2011), os Prana deram passos de gigante na sua evolução e são já uma certeza da música nacional.
É inacreditável que uma banda com esta qualidade tenha apenas três datas confirmadas até Outubro…
Só não estarão nos melhores palcos em breve se muita gente estiver distraída. Demasiado distraída.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental
Ben Harper canta ao lado da sua mãe em novo disco
Que melhor homenagem pode um músico fazer à sua mãe? Talvez gravar um disco inteiro com ela. E se o lançamento desse disco acontecer no dia da mãe ainda melhor. Foi isso mesmo que fez Ben Harper.
“Childhood Home” é um ternurento disco de canções folk sobre família, amor e memórias de outros tempos. Dez temas simples e doces, cantados quase sempre em harmonia, a duas vozes, e com uma evidente cumplicidade.
Em pouco mais de meia hora, mãe e filho partilham histórias sobre o percurso da vida. Ben assina seis temas, e a mãe os restantes quatro.
Quanto ao som, Ben Harper afirma – sem esconder o orgulho – que “foi tudo gravado como o Elvis fazia no início. Nenhum instrumento foi amplificado. É tudo acústico”.
Afinal, quem é Ellen Harper? Certamente mais conhecida por ser “a mãe de Ben Harper”, Ellen não é propriamente uma novata na música. Trabalhou no Folk Music Center and Museum, loja aberta pelos seus pais e de que ainda hoje é proprietária, e onde aprendeu a dominar vários instrumentos.
Foi neste ambiente que o jovem Ben cresceu: rodeado de instrumentos e artistas. A loja dos avós era o destino diário depois da escola, já que Ellen era mãe solteira.
Um dos músicos que frequentava o Folk Music Center and Museum era o guitarrista Ry Cooder, que acaba por ter uma clara influência na carreira de Ben Harper. Basta ouvir os dois a tocar slide guitar para perceber o que quero dizer.
No seu site, Ben Harper assume que fazer um disco com a mãe era algo em que falavam há muito tempo, e diz mesmo: “Acho que sempre o quisemos fazer”.
Se, à partida, pode parecer que Ben Harper fez gesto simpático à mãe ao gravar consigo um disco, depois de conhecer o seu percurso familiar e musical, não posso deixar de pensar que foi muito mais do que isso. Acredito que Ben Harper sabe que deve tudo à sua mãe, que, não só tomou conta dele sem ter um pai por perto, mas ainda lhe abriu as portas para o mundo artístico.
Curiosamente, “Childhood Home” surge um ano depois de outro álbum em que Ben Harper fez um exercício de regressão no tempo. Ainda o ano passado, o músico juntou-se a uma lenda da harmónica, o virtuoso Charlie Musselwhite, para gravar “Get Up”, um disco que regressa às raízes do blues.
Vinte anos a cantar um mundo cruel
Em 1994, Ben Harper lançava o seu disco de estreia – “Welcome to the Cruel World”. Vinte anos depois, num vídeo que assinala a efeméride, Ben Harper assume, de forma emocionada, que esse disco é a razão de tantas coisas na sua vida. Não sei quando comprei o disco, mas sei que foi a partir de uma versão ao vivo da música “Please Bleed” – que nem vem neste disco – que me hipnotizou. Desde então, é um álbum a que regresso com frequência.
Artigo publicado em Meia de Rock e no jornal Açoriano Oriental
Grand Budapest Hotel
O realizador Wes Anderson conseguiu “arranjar espaço”, num filme com pouco mais de hora e meia de duração, para um elenco de luxo que inclui Ralph Fiennes, Jeff Goldblum, Adrien Brody, Williem Dafoe, Jude Law, Bill Murray e Edward Norton, sendo que apenas o primeiro é personagem principal, e tem o destaque a que estará habituado.
“Grand Budapest Hotel” é uma excelente comédia, com uma boa história, contada a ritmo alucinante, com um certo toque de banda desenhada – quer pelas características das personagens, quer pela realidade alterada que apresentada.
Podem não ser os vencedores, mas Wes Anderson e Ralph Fiennes não deverão ser esquecidos nas entregas dos prémios mais importantes referentes ao cinema de 2014.